quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Amor no Casamento

 Metropolita Atanásio de Limassol

O período pré-matrimonial deve se tornar um momento de estudo cuidadoso, pode-se dizer que se trata de um teste do outro, e da nossa relação com ele, para que no futuro não reclamemos com pesares: "Eu não sabia, não entendia, pensei que ele (ela) mudaria". A nossa intenção de se casar deve ser muito séria, porque o casamento é uma promessa, é o nosso compromisso com Deus: de seguir o caminho da salvação com o outro. Afinal, o primeiro e mais importante objetivo do casamento é a nossa salvação, nossa deificação, nossa santificação e depois disso, nossa felicidade, filhos e tudo mais. [...] Neste momento precisa-se especialmente ter uma mente sóbria e raciocinar de modo temperante sobre a outra pessoa. Livre de paixões e sensualidades, nossa escolha deve ser objetiva e santificada.

Antigamente, o noivado era um período em que os noivos podiam se comunicar oficialmente e conhecer um ao outro perante Deus, a sociedade, entes queridos e parentes. Esta cerimônia foi uma consequência das condições sociais, afinal, antes não era tão fácil as pessoas se encontrar, passar momentos juntas, se comunicar e se conhecer. Assim, o noivado foi uma espécie de bênção e de permissão de encontro entre um rapaz e uma garota, para se olharem mais de perto, e verificar o encaixe para a vida a dois.

Nos tempos antigos na Igreja Ortodoxa, o sacramento do casamento era realizado durante a Divina Liturgia, porque a finalidade do casamento, como a finalidade de todos os outros sacramentos, é alcançar o Reino dos céus. Portanto, o sacramento do Batismo, o sacramento do Casamento e outros sacramentos eram realizados junto com a Divina Liturgia.

[...] Assim, um homem e uma mulher aparecem no templo como indivíduos livres, e ficando noivos, fazem a promessa de que tentarão estudar um ao outro com seriedade, sobriedade, santidade e castidade, a fim de entenderem se podem se unirem em casamento. Além disso, eles fazem uma promessa séria a Deus de que esse passo não é um tipo de decisão frívola ou superficial. A Igreja testifica que essas duas pessoas estão comprometidas uma com a outra. Ambos agora têm um compromisso um com o outro. Um respeita o outro, não brinca com os sentimentos do outro, agora você não pode simplesmente pegá-lo e jogá-lo fora de sua vida.

[...]


No amor, você não pede ao outro para amá-lo, mas você mesmo que se esforça para amar o outro. Se você disser ao seu noivo ou noiva: “Eu quero que você me ame muito e nunca ame ninguém assim. Se você não pode me amar assim, então é melhor nos separarmos" – tal comportamento indica uma doença, uma idéia equivocada de amor. Afinal, o amor é composto de forma diferente. Somente quando você ama outra pessoa, é que pode se sentir realizado e satisfeito. E se o outro também te ama, então é ótimo! Mas se você só sente satisfação quando é amado, isso é um egoísmo extremo. Para onde isso leva? Você consome o outro, você o destrói. 

“O amor não procura o que é próprio” – diz o apóstolo Paulo. Existe nobreza no amor. Quando você ama alguém, o outro se sente livre, sente que existe como pessoa. Mas se você sufocá-lo com seu amor, então ele morrerá, ele não resistirá. É como uma flor, por exemplo, que precisa ser regada uma vez por semana com um copo d'água. E você rega todos os dias, pensando que isso a deixará mais verde e vibrante. Mas na verdade, essa flor murchará com essa quantidade de água logo nos primeiros dias. No amor, é o mesmo. O amor respeita a personalidade da outra pessoa [...] A outra pessoa não tem que ficar sem fôlego, quebrar-se em pedaços para amá-lo, porque você a ama.

Por exemplo, imaginemos a seguinte conversa: “Eu quero que você me ame absolutamente, eu e mais ninguém. Se você não puder me amar assim, me fale sobre isso, para que então eu possa ir e encontrar outra pessoa que possa me amar desse jeito”. O que acontece ai é o seguinte: não importa se eu te amo, só importa se você me ama. Tal relacionamento é um desastre, é um orgulho doloroso. A questão não é se o outro ama você, mas se você o ama!

O amor pode ser imperfeito? O amor está em cada pessoa, mas muitas vezes esse amor é imperfeito, porque o amor perfeito é o amor altruísta, é o amor de Deus, que é o dom do Espírito Santo. O amor, antes de tudo, não busca a si mesmo, não envergonha o outro, não oprime, não pode ser infeliz ou egoísta. O amor perfeito dá à outra pessoa total liberdade de existência. É assim que o Senhor nos ama. Ninguém nos ama mais do que o Senhor. Veja como o Senhor nos trata, com que generosidade, como se Ele nem existisse. Deus, que apesar de ter o poder para fazer de nós o que quiser, nos deixa absolutamente livres, com ternura e delicadeza nos chama para si, levando-nos à ternura com o seu amor.

O mesmo se aplica ao amor dos pais pelos filhos, dos filhos pelos pais, o amor entre irmãos ou entre amigos: o amor em todas as suas manifestações deve ser perfeito, desinteressado e generoso. No casamento, o amor perfeito não significa de forma alguma que a outra pessoa não possa dar um passo sem a sua aprovação [...]

Devemos procurar adquirir o amor perfeito, para isso é necessário fazer um trabalho interior, tornar-nos humildes, porque só numa pessoa humilde pode surgir o amor perfeito. Uma pessoa orgulhosa ama incorretamente, de forma egoísta, procurando apenas a si mesmo. Portanto, para aprender a amar corretamente, a cura espiritual é necessária, para ficarmos bem, adquirirmos a humildade, e para que as pessoas ao nosso redor também tenham saúde.

[...] Quando Cristo está presente, então há paz em nós. Quando não há Cristo na vida de uma pessoa, mesmo que tudo esteja calmo e quieto, não há sentido em tudo isso, não há paz na alma dessa pessoa. “Pois Ele é a nossa paz” (Efésios 2:14), disse o Apóstolo Paulo. E vice-versa, quando Cristo está dentro de nós, mesmo quando há escuridão contínua, guerra e destruição ao nosso redor, mesmo quando caímos e morremos, a paz ainda viverá em nós. [...]

Vou contar uma história da vida monástica, pois o mesmo acontece no monaquismo. Certa vez, um jovem, muito educado e bem-sucedido segundo os padrões do mundo, veio ao sagrado Ancião Ephraim de Katunaksky, e disse: "Geronda (ancião, mais velho), vim aqui para encontrar consolo e pretendo me tornar um monge". O Padre Ephraim era um ancião muito rígido, e disse em resposta: “Você cometeu um erro desde o início. Você veio aqui para se confortar? Erro! Você deveria ter vindo me confortar [...] No monaquismo, você conforta o mais velho, e não vice-versa”.

Não basta apenas um conhecer o outro, se amarem e viverem felizes, esse não é o objetivo, essa não é a felicidade. O propósito do casamento é a salvação: para que nós como indivíduos, possamos ser salvos, para que não percamos o contato com Deus entre as coisas que nos rodeiam, e que pesam sobre nós. A salvação é o objetivo principal que deve antecipar qualquer movimento. [...] Ter filhos é um dos objetivos importantes, sagrados e dignos do casamento, mas não o mais importante. O objetivo principal é justamente cumprir “tudo quanto se pede para salvação”. Por exemplo, um casamento sem filhos não pode ser chamado de imperfeito ou infeliz, quando por meio dele uma pessoa encontra o verdadeiro caminho para o amor de Deus.

Não importa se uma pessoa é casada, solteira, divorciada ou viúva. O sucesso de sua vida não depende de circunstâncias externas. Afinal, uma pessoa pode não encontrar alguém, ou chegará o momento em que o casamento termine: um dos dois deixará a vida terrena, ou por algum motivo o casamento entre em colapso. Tudo isso não significa que a vida dessa pessoa tenha falhado. O sucesso ou o fracasso de nossas vidas não depende em nada do casamento ou da presença de filhos, mas sim do quanto conseguimos nos unir a Deus. Se tivermos sucesso quanto a isso, então nossas vidas serão boas, mesmo em qualquer situação que estivermos.

A palavra afinidade (ομόνοια - em grego) significa ter uma mente em comum, ou seja, pensar de modo semelhante, falar a mesma língua, ter interesses comuns, um vetor comum, concordar uns com os outros. No entanto, “afinidade” não significa de forma alguma uma completa semelhança. É possível existir opiniões diferentes, e muitas vezes isso é até necessário. Você pode amar outra pessoa, mas ter uma mentalidade completamente diferente. Uma vez que cada pessoa é única, é impossível identificar a si mesmo em outra. É errado exigir que outra pessoa tenha pontos de vistas semelhantes aos meus, para alcançar uma mesma opinião. A beleza do amor reside precisamente no fato de que, quando amo outra pessoa, ela tem total liberdade para ter uma opinião completamente diferente da minha.

[...]O ensinamento da Igreja diz que cada pessoa é um fenômeno excepcional e único, ou seja, antes de mim, eu não existia, e também no futuro eu nunca aparecerei em lugar nenhum, em nenhuma outra vida. Nunca houve outra pessoa como eu e nunca existirá! Isso é incrível! O homem é único porque Deus é único. Este fato dá sentido à nossa existência. Portanto, não somos todos impessoais, não somos apenas algum tipo de multidão, mas cada um de nós possui seu próprio nome. O Senhor deu um nome para cada fenômeno, até mesmo aos animais: lembre-se de como o Senhor instruiu Adão a inventar nomes a todos os animais. [...]

Para que duas pessoas com opiniões diferentes possam viver em paz, é necessário aprender a ceder. Um deles decidirá ficar quieto, e deixar a vontade do outro, porque se um insistir, haverá um alvoroço. Se você puder fazer isso por amor ao próximo, faça, não tenha medo, você não perderá nada, pelo contrário, você ganhará! Isso não é de forma alguma uma manifestação de fraqueza, porque só uma pessoa forte sabe ceder com generosidade. Uma pessoa fraca está constantemente tentando impor sua vontade e pensa com horror em ceder. O forte diz: “Faça como você sabe! Que seja como você quiser!". Há grande força espiritual nessas palavras. "Meu irmão, faça o que você acha que é certo, eu só ficarei feliz". Se uma pessoa consegue atingir esse estado de espírito, então ela se torna absolutamente livre do medo e do espírito de desconfiança. Além do fato de tornar a si próprio livre, ela também torna os que o cercam livres.

Mas alguém dirá que não quer ser usado... Precisamos evitar esse medo – de estarmos sendo usados, de sermos feridos, de sermos enganados. Evite esses pensamentos, liberte-se deles. Já que a outra pessoa é a imagem de Deus e por natureza já é dotada de algumas virtudes, ainda que as expresse à sua própria maneira, mais cedo ou mais tarde ela responderá à sua generosidade. E mesmo que não responda, você não perderá nada, e ainda ficará melhor. [...] Um amante não tem medo de nada, ele confia na outra pessoa. Mas quando começamos a ter medo, ficamos desconfiados nas mais diversas situações que conhecemos. Nosso doloroso egoísmo, nossa vulnerabilidade, nossa ganância, nosso amor errado levam à desconfiança e ao medo. O amor perfeito se comporta de uma maneira completamente diferente. Afinal, um amante com amor perfeito não vai suspeitar, temer ou entrar em pânico [...]

[...] O casamento é uma etapa maravilhosa na vida de uma pessoa, graças à qual ela pode crescer espiritualmente e melhorar-se em Cristo. No entanto, o casamento não é a única maneira de melhorar-se. Onde quer que uma pessoa se encontre, ele pode fazer desse tempo de vida um momento de aperfeiçoamento espiritual. É possível transformar em vida eterna o que você é. Cristo não se limita apenas ao casamento ou monaquismo. De modo nenhum. Seja quem for, quaisquer que sejam as circunstâncias em que alguém se encontre, tem-se a oportunidade de salvação. Só é preciso santificar o lugar onde se está. Se você é casado, santifique seu casamento, se você for solteiro, santifique seu celibato, se você for um monge, santifique sua residência monástica. Esta é a beleza da presença de Deus, que nos torna livres e nos permite viver livremente em Cristo.

[...] Um “servo de Deus” não é um escravo, como muitas vezes interpretamos esta expressão, mas um “servo de Deus” é uma pessoa que se submeteu ao amor de Deus e se tornou livre em Cristo Jesus. Ele se libertou do pecado, porque é o pecado que nos torna escravos, e Cristo nos liberta dele. Somos filhos de Deus e servos de Deus, quando transferimos livremente nossa alma e nosso corpo a Deus, e o Senhor na medida de nossa dedicação, nos liberta das paixões e dos pecados. [...]

As pessoas costumam me perguntar: "Padre, não existem apenas dois caminhos na vida de uma pessoa: monaquismo ou casamento?" Ai de nós se assim fosse. Por exemplo, se uma pessoa fica sem um casal, é preciso agora forçá-la a entrar no mosteiro, porque ela não se casou? E se ele não quiser viver em um mosteiro? [...] O principal é santificar o lugar onde se está. Pois onde existe humildade que é a base, existe a graça de Deus. E se você não tem humildade e a graça de Deus, então quem quer que você se torne, seja um monge, patriarca, homem de família ou qualquer outra coisa – nada vai funcionar, porque em sua vida não há verdadeiro propósito e significado. A presença Deus reside precisamente no coração do homem.

Pravoslavie. Metropolita Atanásio de Limassol - Amor no Casamento. Pensamentos sobre as palavras de noivado. Fonte:  https://pravoslavie.ru/121051.html

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