quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Precisamos nos lembrar da morte?

 "Diga-me Senhor, o meu fim..." (Salmos 38: 5).

Por Pe. Dimitry Vydumkin

Tatiana Yushmanova. Mar Branco. Anzer. Na cruz de adoração. 2000

Esta hóspede dificilmente pode ser chamada de desejável, o que não a impede de entrar em qualquer casa quando quiser.  Geralmente querem mandá-la para o esquecimento, mas ela é tão orgulhosa que sempre faz a si mesma ser lembrada.  Um medroso pode chamá-la, e um louco a puxa pela manga até sua casa, mas ela pode fugir. Todo mundo sabe que ela virá, mas ela sempre consegue vir na hora errada. E só diante de quem a considerou e, está sempre a sua espera, que ela abaixa a cabeça... Você adivinhou de quem se trata? O homem tem medo da morte e isso é normal: “A morte não é natural para uma pessoa, por isso todos a temem” [1]. Mas, por possuirmos medo da morte, preferimos “viver sem perceber, para que as férias da vida não seja obscurecida por este pensamento doloroso. E se ela aparecer em algum lugar próximo, não olhe para ela como se ela existisse" [2].

Mas esse medo da morte é justificado por nossa fé? E que tipo de memória mortal como bênção espiritual pedimos a Deus todos os dias em nossa regra noturna? Como o riso é variado, o medo também é. De que modo temos medo da morte? Essa antinaturalidade em sua expressão usual, porém, se torna bastante natural: por amor à vida, procuramos não nos lembrar da morte, imitando o "jogo de esconde-esconde" do avestruz. Porém, é justamente esse nosso medo de avestruz que permite que a morte seja inesperada e tão dolorosa. Um "avestruz" que enterrou a cabeça na areia nunca perceberá a aproximação do inimigo!

Mas também existe um medo natural da morte. Quando é controlada por um timoneiro fiel - o temor de Deus, esse medo sugere que a morte é um inimigo que não só deve ser sempre lembrado para excluir o fator surpresa. Você precisa “conhecê-lo de vista”, “examiná-lo” em detalhes e assim se preparar para um encontro com ele. E para olhar corretamente a morte, é preciso primeiro olhar corretamente a própria vida terrena. Qual é a finalidade que se destina? Aqui está o que lemos de Santo Inácio (Bryanchaninov): “Se avaliarmos justamente o breve momento pelo qual somos colocados aqui na terra, comparando-o com uma imensurável e majestosa eternidade, então encontraremos apenas um uso correto para a vida terrena. É usada corretamente quando realizada em preparação para a morte[3]".

A vida na terra é como um corredor a caminho de uma casa. O corredor de entrada não está equipado para habitar, não faz sentido ficar nele por muito tempo. No corredor, tira-se a roupa pesada e suja, deixam-se os sapatos sujos, e uma arrumação é feita para a entrada na casa. Todos os pensamentos, esperanças e aspirações da pessoa no corredor, e toda a sua preocupação é apenas de deixar tudo o que for improprio para a entrada na casa, fora dela. Isto é o que a nossa vida terrena é em sua relação com a vida eterna. Mas é assim que nos sentimos sobre isso? Não seria o contrário? Não estamos tentando equipar nosso “corredor” de várias formas, esquecendo-nos completamente da “casa”? E não é porque a inevitável “passagem para dentro de casa” nos parece tão terrível que queremos “enterrar a cabeça na areia”?

Para a morte, diz o santo, é preciso preparo. Sua palavra é dirigida apenas aos idosos? De jeito nenhum. Além disso, nosso tempo testemunha de forma convincente que a própria morte "reconsiderou" suas "abordagens". Se até uns 50 anos atrás (as guerras não contam) o ditado sobre “um pé na cova” era atribuído apenas aos idosos, hoje tudo é completamente diferente. As doenças mortais rejuvenescidas, a crueldade e a irresponsabilidade desenfreada, o aumento do fator de morte súbita nos convencem de que hoje tanto os velhos quanto os jovens estão em pé de igualdade "com um pé na cova". E a advertência de Santo Antônio Magno soa muito convincente: "Quando nos levantamos do sono, é bastante duvidoso que cheguemos à noite. Novamente, quando queremos acalmar o corpo com o sono, é igualmente incerto se veremos a luz do dia que se aproxima".

Todos precisam se preparar para a morte. Mas como se preparar para isso? Como considerar esse inimigo antes de enfrentá-lo? E como entender a expressão do livro de Sirach: “Lembre-se do seu último e nunca peque” (Sir. 7:39)? 

“Uma das formas mais excelentes de preparação para a morte”, diz Santo Inácio, “é a lembrança e a reflexão sobre a morte”[4]. Mas essa lembrança não é a que está associada à dor de rompimento com os entes queridos, e à perda de tudo o que foi adquirido na terra. É justamente por reflexões assim, que se distingue o medo antinatural da morte mencionado acima. A lembrança em questão esta associada ao sentimento de estar despreparado para o encontro com o Senhor, e com uma contrição sincera sobre os pecados impenitentes. Tal memória deu origem a uma oração no coração de alguém: “Senhor, a cada dia e a cada passo encontro a morte e vejo que ela não poupa nem o velho nem o recem nascido. Tendo passado da idade da infância, mas não tendo chegado à velhice, não posso consolar-me com a esperança de muitos anos de vida pela frente. A morte está inevitavelmente se aproximando de mim e, talvez, já esteja "respirando pelas minhas costas". Tendo me alcançado, ela imediatamente me colocará diante de Ti. Mas com o que eu vou? Não tenho uma única virtude, mas apenas fragmentos de boas ações. Estou cheio de inúmeras paixões, e não tenho nada que me justifique diante de Ti. Como publicano evangélico, posso apenas dizer-te algumas palavras: “Deus, tem misericórdia de mim, pecador”.

Uma oração assim é necessária para cada um de nós, que somos muito pobres em virtude e não sabemos a hora do nosso êxodo. É preciso mergulhar dentro dela muitas vezes, se possível diariamente, a fim de atrair para o coração, como diz Santo Inácio, a graça do Espírito Santo: “A lembrança da morte, os medos que a acompanham e os medos que a seguem, juntamente com uma oração fervorosa e o choro de si mesmo, podem substituir todos as façanhas... Entrega-lhe a pureza de coração, e atraia para ele a graça do Espírito Santo.[5]"

Aqui eu gostaria de fazer mais uma pergunta. Por que o Senhor esconde de nós a hora de nossa transição, já que é tão benéfico lembrá-la? É permitido a nós, imitando o salmista Davi perguntar-lhe: “Diga-me, ó Senhor, meu fim”? Encontramos a resposta à primeira pergunta no Monge João da Escada: “Alguns experimentam e se perguntam por que Deus não nos deu a presciência da morte, se a lembrança dela é tão benéfica para nós? Essas pessoas não sabem que Deus arranja milagrosamente nossa salvação através disso. Pois tendo há muito previsto o tempo da morte, ninguém se apressaria a ser batizado ou entrar no monaquismo, mas todos passariam toda a sua vida em iniquidade e, no fim de seu tempo, viriam ao batismo ou ao arrependimento, mas o pecado feito de um hábito de longo prazo, se tornaria uma segunda natureza em uma pessoa, e ela permaneceria completamente sem correção” [6].

Ou seja, no momento da correção, no exercício de uma vida caritativa e preparação para a transição, uma pessoa, levada pelas seduções deste mundo, adiaria para a última “hora” de sua vida, não percebendo o enraizamento do pecado que tinha na alma, não lhe sobraria nem esta pequena “hora”. Salvar a ignorância da hora da morte leva a pessoa a estar sempre em guarda, despertando em seu coração uma oração justificadora: "Deus, tem misericórdia de mim, pecador".

E embora vejamos que alguns santos de Deus pediram e receberam um aviso da morte que se aproximava, já que eles estavam se preparando para isso toda a vida, o aviso geral para todos nós, de acordo com o abade Nikon (Vorobiev), é um : “Esteja pronto para cada hora. Mesmo em um dia, não podemos garantir que o viveremos até o fim."[7]. Bem, a advertência está clara e provavelmente não ousamos pedir por isso.

Para evitar a morte súbita, podemos e devemos pedir ao Senhor mais tempo de vida para o arrependimento ativo. Santo Inácio escreve: “Segundo a certeza dos santos padres, a morte súbita não acontece com as pessoas que querem se purificar pelo arrependimento, mesmo que sejam derrotadas por suas fraquezas no tempo; mas o Deus Justo e Misericordioso lhes dará um fim de acordo com suas intenções."

Segundo os Santos Padres, com a morte terrena começa a era da nossa vida real.

Fonte: https://pravoslavie.ru/129167.html

Notas
[1]  Ver:  Hegúmeno Nikon (Vorobyov). O arrependimento foi deixado para nós.
[2]  Ver:  Arcipreste Velikanov Pavel. Escola de Fé.
[3] Santo Inácio Brianchaninov. Uma palavra sobre a morte //https://azbyka.ru/otechnik/Ignatij_Brjanchaninov/slova/2.
[4]  Ibid.
[5]  Ibid.
[6]  João Climaco: Escada Espiritual. Palavra 6 - sobre a memória da morte.
[7]  Ver:  Hegúmeno Nikon (Vorobyov). O arrependimento foi deixado para nós.
[8]  Donn John . Morte, não seja vaidosa...
[9]  Santo Inácio Brianchaninov: Uma palavra sobre a morte.

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