Valentina Ulyanova
Leis do mundo invisível
Poucas pessoas sabem disso, mas toda a nossa vida está sujeita a leis espirituais. Elas agem quase tão inevitavelmente quanto uma pedra que cai sobre alguém que a jogou de modo imprudente diretamente acima dele. E muitas vezes ficamos indignados e reclamamos dos problemas e adversidades que se abateram sobre nós, parecendo-nos imerecidos, e não vemos que essas são as mesmas pedras que jogamos sobre nossas cabeças em nossas vidas.
O desvio dos mandamentos do Criador, isto é, o pecado, prejudica tanto a alma quanto o corpo e, de acordo com as leis da existência da natureza espiritual, é retornado ao culpado um “bumerangue” do mal cometido. A Palavra de Deus e os santos padres escrevem sobre isso.
É verdade que tal retribuição nem sempre é inevitável. As leis espirituais não são imutáveis. Muito depende de nós mesmos. Se, em meio às tristezas, começarmos a ver claramente e a compreender que estamos colhendo os tristes frutos de nossas próprias ações, então, pelo arrependimento, poderemos nos curvar à misericórdia do Criador das leis, que pode alterar seus efeitos ou cancelá-las para nós completamente. Portanto, é ainda mais importante para nós, sabermos como funciona a lei espiritual.
A Sagrada Escritura fala de recompensa para as almas dos justos – e daqueles que pecam: "Tribulação e angústia para toda alma que pratica o mal... Pelo contrário, glória, honra e paz para todo aquele que pratica o bem" (Rm 2: 9-10).
O profeta Davi confessa a justiça de Deus: "Porque males sem conta me cercaram. Minhas faltas me pesaram..." (Salmos 39: 13). "Quando punis o homem, fazendo-lhe sentir a sua culpa, consumis, como o faria a traça..." (Salmos 38:12).
O justo João de Kronstadt escreve sobre a operação das leis espirituais:
"O fio da tristeza, que você incutiu sem culpa no coração de outra pessoa, também entrará em seu coração, de acordo com a estrita lei da retribuição: "Com a medida com que tiverdes medido, também vós sereis medidos."(Mateus 7:2 ). Se você não quer sofrimento, não o entregue a outra pessoa [1]. A lei moral de Deus opera constantemente no mundo, segundo a qual todo bem é recompensado internamente e todo mal é punido; O mal é acompanhado de tristeza e aperto no coração, e o bem é acompanhado de paz e alegria no coração. Esta lei é imutável: é a lei do Deus Imutável, Todo-Santo, Justo, Onisciente e Eterno. Quem fizer ou praticar esta lei moral ou evangélica (também é uma lei moral, só que a mais perfeita) certamente será recompensado com a vida eterna, e aqueles que violam e que não se arrependem de sua violação, serão punidos com tormento eterno." [2]
O Venerável João Clímaco ensina:
"Ouvi-me, juízes maus das ações alheias: em verdade, aquilo pelo qual vocês julgam, serão voces julgados (Mateus 7:2); então é claro que quaisquer que sejam os pecados pelos quais condenamos o nosso próximo, físicos ou mentais, nós mesmos cairemos, e não pode ser de outra forma” [3].
Santo Isaac, o Sírio, fala sobre recompensas espirituais:
"Os dons de Deus atraem a pessoa para um coração que é estimulado a uma ação de graças incessante. A tentação é trazida à alma por um pensamento murmurante que é constantemente despertado no coração. Uma boca que sempre agradece recebe bênçãos de Deus; e se o coração permanece grato, a graça desce sobre ele. A humildade precede a graça; e a presunção precede a punição. Aquele que é orgulhoso pode cair na blasfêmia, e aquele que se exalta na bondade de suas ações pode cair na fornicação, e aquele que se exalta em sua sabedoria pode cair nas redes escuras da ignorância. Uma pessoa longe de qualquer lembrança de Deus carrega no coração um pensamento contra o próximo, perturbado por uma má lembrança. Quem, lembrando-se de Deus, honra cada pessoa, por ordem de Deus, secretamente encontra ajuda para si em cada pessoa. Quem defende o ofendido tem Deus como seu defensor. Quem estende a mão para ajudar o próximo recebe o braço de Deus para ajudar a si mesmo.” [5]
O monge venerável Korniliy Krypetsky sempre alertou seus filhos espirituais, como sabemos por sua vida: “Tudo o que você desejar para outra pessoa, você conseguirá para si mesmo”.
O Monge Nikon de Optina observa que mesmo que pareça a nós que “nossas tristezas em sua aparência não se parecem com nossas culpas, espiritualmente elas correspondem justamente a elas” [6].
São João Crisóstomo revela o efeito das leis espirituais numa conversa sobre o Salmo 3, inscrito “Salmo de Davi, quando fugia de Absalão, seu filho”:
“Mas descubra, irmão, o motivo de tal inscrição [inscrição inicial do salmo] e salve a sua alma, deixe que esta narrativa lhe sirva para corrigir a sua vida, deixe que esta perseguição aos justos seja uma proteção para a sua mente. Descubra por que Davi foi perseguido por Absalão, para que você, firmado sobre este fundamento, seja edificado pelo temor de Deus... O bem-aventurado Davi neste salmo tinha como objetivo ensinar uma vida virtuosa e casta, nunca praticando o mal e não desprezando as leis de Deus, para que o pecador não sofresse o mesmo mal que ele mesmo sofreu.
Esta não é uma especulação minha, mas uma palavra de Deus; e onde Deus explica, ninguém pode contradizer. E que seu filho realmente se rebelou contra Davi porque matou Urias e tomou sua esposa, ouça Deus, que disse a Davi através do profeta Natã: "[...] ungi-te rei de Israel, salvei-te das mãos de Saul, dei-te a casa do teu senhor [... Entreguei-te a casa de Israel e de Judá e, se isso fosse ainda pouco, eu teria ajuntado outros favores. Por que desprezaste o Senhor, fazendo o que é mau aos seus olhos? Feriste com a espada Urias, o hiteu, para fazer de sua mulher a tua esposa [...] Por isso, jamais se afastará a espada de tua casa, porque me desprezaste, tomando a mulher de Urias, o hiteu, para fazer dela a tua esposa [...] Vou fazer com que se levantem contra ti males vindos de tua própria casa!" (2 Sam. 12:7-11).
De onde vem a fonte do pecado, daí o flagelo do castigo. Então, por ter fugido do filho, tornou-se fugitivo e exilado em relação ao mandamento de Deus.
São João Crisóstomo mostra ainda como devemos aprender lições da ação revelada das leis espirituais: “para que nós, tendo visto a queda de um homem justo, possamos nós mesmos evitar a queda e evitar tal punição”.
"Muitas pessoas ainda hoje fazem guerra em suas casas: alguém enfrenta a guerra por parte de sua esposa, o outro é pressionado por seu filho; outro sofre problemas com seu irmão, outro de um servo. E todos sofrem, se irritam, brigam, fazem guerra e são surpreendidos pela guerra, mas ninguém pensa, raciocinando consigo mesmo, que se não tivessem semeado o pecado, não teriam crescido espinhos e cardos em sua casa; Se não tivessem plantado faíscas do pecado, sua casa não teria pegado fogo."
"E que os desastres domésticos são frutos do pecado, e que Deus escolhe sua família como executores do castigo ao pecador, disso atesta a Divina Escritura, da qual não há nada mais confiável. Sua esposa está travando guerra contra você, cumprimentando-o em sua chegada como uma fera selvagem, afiando a língua como uma espada? É lamentavel! Porém, examine-se, você não planejou nada contra nenhuma mulher em sua juventude? E um insulto a uma mulher é vingado por uma mulher, e a ferida de outra pessoa é curada pela sua própria esposa. Embora ela mesma não saiba disso, mas o médico sabe - Deus [...] Deus, como um médico, sabe o que é útil."
"E que os ataques dos filhos também são castigos pelos pecados, isso é testemunhado por Davi, perseguido por seu filho Absalão por um relacionamento ilícito, como mostraram as palavras acima […]"
"Mas o que dizer dos infortúnios domésticos, se o nosso próprio corpo, que nos é mais próximo e querido, as vezes é nosso inimigo quando pecamos, vingando-se de nós com febres e outras doenças e sofrimentos, se o corpo servil pune a alma dominante quando peca, não porque o queira, mas porque lhe é ordenado a fazer"
O livro "O Prado Espiritual" fala nas palavras de um abade chamado Agathonicus sobre a vida e a morte de Abba Pimen, o Eremita:
"[...] Uma vez vim para Ruva para ver o eremita Abba Pimen. Depois de encontrá-lo, contei-lhe meus pensamentos. A noite chegou e ele me deixou entrar na caverna. Era inverno, e naquela noite estava especialmente frio, então eu estava com um frio terrível. De manhã o mais velho vem até mim e diz:
- O que há de errado com você, criança?
- Desculpe, pai! Tive uma noite terrivel por causa do frio.
- É verdade filho! Mas eu não estou com frio.
Fiquei surpreso com isso porque ele estava descoberto.
- [...] Diga-me por que você não está com frio? Perguntei.
- Um leão veio, deitou-se ao meu lado e me aqueceu consigo. Porém, direi a você, irmão, que serei comido por feras.
- Por que?
– Quando eu ainda estava na nossa terra natal (ambos eram da Galácia), cuidava de ovelhas. Um dia um andarilho passou, e meus cães correram até ele e o atacou diante dos meus olhos. Eu poderia tê-lo salvado, mas não o fiz. Deixei-o sozinho e meus cachorros o matou. Eu sei que enfrentarei o mesmo destino...
E de fato, depois de três anos, conforme suas palavras, o eremita foi comido por feras.
[...] Conforme o monge Paisius, o Svyatogorets, além dos feitos de arrependimento, Abba Pimen também aceitou o castigo pelo seu pecado: "No entanto, na outra vida pessoas assim estarão em um lugar mais seleto."
A diferença entre as leis espirituais e as leis físicas
A operação das leis espirituais e físicas é semelhante, mas não a mesma, há uma grande diferença. As leis espirituais não são imutáveis. O Senhor é justo, mas também é misericordioso com aqueles que se arrependem. O amor de Deus, Sua misericórdia para com aquele que traz o arrependimento, suspende as consequências destrutivas do pecado que pairam sobre a pessoa.
O justo João de Kronstadt escreve que desviar-se da operação da lei do Criador também muda o estado da alma:
"Sua vida espiritual, aparentemente, está dividida em dois estados que diferem nitidamente entre si: um estado de paz, alegria, amplitude de coração e um estado de tristeza, medo e estreiteza de alma. A causa do primeiro estado é sempre a ação harmoniosa da minha alma com as leis do Criador, e a causa do último é a violação de Suas santas leis. Portanto, sempre acontece que, tendo destruído o início do qual surgiu o estado de tristeza e angústia, você também destrói a consequência, ou seja, a própria tristeza e aperto da alma."[9]
Os anciãos de Optina muitas vezes revelavam às pessoas o motivo das suas tentações, para que através do arrependimento pudessem impedir a ação das leis espirituais. O Monge Macário de Optina certa vez escreveu ao seu filho espiritual:
"[...] Talvez por isso você se deixou tentar, porque tinha uma opinião sutil e secreta sobre si mesmo que o levou à ilusão; então, para evitar que isso acontecesse, as tristezas te seguiram. Não culpe ninguém como a razão deles e não os culpe, mas veja aqui a Providência de Deus testando você, e as pessoas são apenas os instrumentos da Providência [11]".
"[...] Você não pode evitar tristezas em lugar nenhum; pois são produtos de nossas próprias paixões, para expô-las, para que nós, com a ajuda de Deus, cuidemos de sua cura [12]".
"Ore ao Senhor para não privá-lo de sua antiga misericórdia e ajuda. E isso não vai privar você. Mas haverá penitência. O Senhor impõe a cada culpado a sua própria penitência, que consiste no fato de que Ele imediatamente aceita o arrependido em sua misericórdia, mas não lhe devolve imediatamente, mas espera que a contrição e a humildade se aproximem. Quem se tortura impiedosamente retorna em breve, mas se der alguma folga, não será logo. Aqui está o programa para você. Por favor, tenha tudo isso em mente... e trabalhe... Acima de tudo, mantenha-se na humildade e na fé e entregue-se ao Senhor. E tudo virá à sua ordem"[13].
Assim, uma pessoa pode interromper a operação da lei espiritual através do arrependimento e da humildade. É por isso que São Teófano, o Recluso, escreve sobre a importância da atenção e da sobriedade na vida espiritual:
"Essas tentações podem ser exteriores com: tristezas e humilhações; e interiores com pensamentos apaixonados que descem deliberadamente, como animais acorrentados. Portanto, precisamos prestar atenção a nós mesmos, e examinar rigorosamente o que acontece conosco e em nós."[14]
Elas podem entrar em vigor de diferentes maneiras, em momentos diferentes, ou até mesmo não agir durante esta vida, dependendo da Providência de Deus para uma pessoa, bem como de sua estrutura espiritual. Desde os tempos antigos, as tentações para um cristão sempre o forçou a olhar atentamente para o seu modo de vida, a procurar ao que havia de errado em sua vida espiritual, o motivo do afastamento do Senhor. Se a retribuição ocorresse logo após o pecado, o cristão acreditava que o Senhor estava próximo e guiando cuidadosamente sua vida.
São Marcos, o Asceta, escreveu diretamente que se alguém não tem tristezas, então este é um sinal alarmante:
"Qual é a necessidade do diabo lutar com aqueles que sempre se deitam no chão e nunca se levantam?"[15]
"Se alguém, claramente pecando e não se arrependendo, não for submetido a nenhuma tristeza até o fim, saiba que seu julgamento será sem misericórdia."[16]
"Aquele que deseja livrar-se das tristezas futuras deve suportar voluntariamente o presente. Pois assim mudando mentalmente uma coisa por outra, através de pequenas tristezas ele evitará grandes tormentos."[17]
Santo Inácio (Brianchaninov) escreveu ao seu filho espiritual:
"Sem tentação é impossível aproximar-se de Deus. Virtude inexperiente, disseram os santos padres, não é virtude! Se você ver alguém chamado de virtuoso pelos Ortodoxos, mas vive sem tentações, com sucesso em assuntos mundanos, saiba: sua virtude, sua Ortodoxia não são aceitas por Deus. Deus vê neles a impureza que Ele odeia! Ele olha com condescendência para a impureza humana e a cura com vários meios; em quem ele vê impureza demoníaca, ele se afasta dele. Amando você, aproximando você para Si mesmo, Ele permitiu que você sofresse" [18]
De tudo o que foi dito, é óbvio que o conhecimento do funcionamento das leis espirituais ajuda a resistir ao pecado e fortalece o temor de Deus em nós.
Alguns tem medo do castigo, enquanto outros têm medo de serem separados de Deus por causa do pecado. Em todo o caso, o medo do pecado nos coloca na escada desta virtude, sobre cujas alturas escreve São Nicolau da Sérvia:
"O amor a Deus expulsa todo medo da alma, exceto o medo do pecado. Sim, o amor teme o pecado. O medo do pecado é o medo de Deus."[20]
O significado de qualquer tentação é purificar a alma dos pecados cometidos. Por esta razão, as leis espirituais operam no mundo. Estas não são apenas leis de retribuição justa. Estas são as leis do Amor curador. Amor que cura as feridas do pecado. Elas nos ajudam a perceber nosso pecado, a nos arrepender dele, corrige o nosso caminho quando desviamos do verdadeiro objetivo - do Reino de Deus. E além disso, como vimos acima, estas são as leis do Amor misericordioso, que muda seu efeito para aqueles que mudam a si em arrependimento.
Euthymius Zigaben, delineando a interpretação patrística do versículo do Saltério: "Quando punis o homem, fazendo-lhe sentir a sua culpa, consumis, como o faria a traça..." (Sl 38:12), explica o propósito salvador de cada um dos castigos de Deus:
"Tu, Senhor, repreendes uma pessoa por cura e correção, então Tu a punes por sua iniqüidade, e não por qualquer outra coisa: portanto, tal Tua punição é útil e salvadora [...] Ele diz que Tu, Senhor, afinaste a alma do pecador através da tentação: porque através das tentações Tu a purificas de toda a grosseria do pecado [...] Então, o pecado torna a alma grosseira, e o sofrimento e as tentações a enfraquecem."[21]
Aqueles que caem sob o poder do orgulho são às vezes tentados além das suas forças e, portanto, são deixados cair, de modo que se convencem de sua própria fraqueza e se humilhem. São João Cassiano, o Romano, escreve sobre o significado das tentações dos orgulhosos:
"Toda alma orgulhosa está sujeita à indecência espiritual [...] Toda alma possuída pelo orgulho, se rende aos sírios mentais, ou seja, a lascívia espiritual, está enredada em paixões carnais, de modo que, humilhada pelos vícios carnais atraves da carne, ela se percebe impura e contaminada, enquanto que durante a frieza do espírito ela não poderia perceber isso através da elevação de seu coração, que tornou-a impura aos olhos de Deus; [...] de modo que uma pessoa assim humilhada, tenha o cuidado de sair do estado de frieza e, envergonhada pela desonra das paixões carnais, tente despertar em si uma vontade ardente pelas conquistas espirituais".
Valentina Ulyanova: Lei Espiritual. Pravoslavie <https://pravoslavie.ru/156715.html>

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