Monge Kirill (Popov)
Como qualquer outra paixão, o orgulho cria raízes gradualmente em uma pessoa, como uma erva daninha. Tudo pode começar com uma confiança inofensiva nas habilidades de alguém, e às vezes, tal confiança se torna até mesmo necessária, terminando em uma terrível arrogância... dando origem a um árbitro de destinos humanos, sem mencionar o próprio...
De acordo com os textos das Escrituras Sagradas, santos padres e ascetas da piedade, o enraizamento da paixão do orgulho humano pode ser um tanto arbitrário, mas, no entanto, claramente, dividido em quatro "estágios". A princípio, um homem, apoiando-se apenas em sua própria força, através da vaidade, individualidade e prazer próprio, afasta-se de Deus. Então ele se torna cada vez mais teimoso, cada vez mais resistente às instruções de Deus. Depois que sua paixão cresce nada pode saciá-la e satisfazê-la. Finalmente, parece ao homem que ele pode fazer qualquer coisa. Esta é a etapa final e mais terrível do desenvolvimento da paixão do orgulho. Vejamos todas essas etapas.
1. O abandono a Deus e a Autoconfiança
O Livro do Eclesiástico de Jesus Ben Sirac mostra o caminho da origem do pecado em uma pessoa: “O início do orgulho num homem é renegar a Deus, pois seu coração se afasta daquele que o criou” (Sir. 10:14). O próprio Senhor fala do povo de Israel através do profeta Oséias: “Tendo pastado, estavam cheios; e quando estavam cheios, seu coração foi exaltado e, portanto, eles se esqueceram de Mim” (Oséias 13: 6). Moisés também advertiu o povo israelense: Não suceda que, depois de teres comido à saciedade, de teres construído e habitado formosas casas, de teres visto multiplicar teus bois e tuas ovelhas, e aumentar a tua prata, o teu ouro e o teu bem, o teu coração se eleve, e te esqueças do Senhor, teu Deus, que te tirou do Egito, da casa da servidão... Não digas no teu coração: a minha força e o vigor do meu braço adquiriram-me todos esses bens." (Dt. 8:12, 14, 17) [1].
Assim, a Sagrada Escritura chama a atenção para como essa paixão surge em uma pessoa - ele se esquece de Deus, e só tem esperança em sua própria força: "a minha força e o vigor do meu braço adquiriram-me todos esses bens” (Dt 8:17). E em outro lugar, o profeta dos israelitas denuncia o que eles dizem: “Não é por nossa força que ganhamos poder?” (Am. 6:13). O profeta Jeremias se dirige aos moabitas dizendo que essa autoconfiança se torna a razão da convicção do Senhor: “Porque puseste a confiança nos teus ídolos e nos teus tesouros, tu também serás tomada” (Jr 48: 7).
O afastamento de Deus leva a uma crescente esperança nas próprias forças: “Eles confiam em seus bens, e se vangloriam das grandes riquezas” (Salmo 48: 7), no qual os orgulhosos até esquecem a temporalidade de sua permanência na terra, pensando que suas casas são eternas e que suas habitações são boas e agradáveis, “dando a regiões inteiras seus nomes” (Salmo 48:12), e dizem em seus corações: “Eu não serei abalado, jamais terei má sorte” (Salmo 9:27). Davi também revela em outro salmo um homem que esperava muito de sua riqueza, e não em Deus, prevalecendo sua maldade (Salmo 51: 9), indicando que essa pessoa estava enraizada em mal.
Os Santos Padres, compreendendo o surgimento e o desenvolvimento da paixão do orgulho no homem, também dizem que “o princípio do orgulho é a ignorância de Deus” (São João Crisóstomo [2]), e também que “o orgulho é a rejeição de Deus” (São João Clímaco [3], São Gregório Palamas [4], São Inácio Brianchaninov [5], São Teófano, o Recluso [6]).
No desenvolvimento da paixão do orgulho, de acordo com os ensinamentos dos Santos Padres, podemos distinguir os seguintes estágios:
1) O começo - com a vaidade sendo uma raiz [7];
2) O meio – com "a humilhação do próximo, a pregação vergonhosa das próprias obras, auto-elogios no coração, ódio à convicção" [8];
3) O fim – com "a rejeição da ajuda de Deus, a esperança da perfeição, sendo uma predisposição demoníaca" [9].
O primeiro estágio, é pouco perceptível para a própria pessoa [10], é o enraizamento nela de um sentimento de amor próprio (auto-estima, satisfação própria, complacência, narcisismo, autoconfiança). O segundo estágio da vaidade está associado a um desejo cada vez maior de honras e buscas por glórias humanas [11]. Ao mesmo tempo, um pensamento característico e um sentimento secreto de que “sou algo, e não nada" está enraizado em uma pessoa [12]. No terceiro e último estágio, o orgulho já se manifesta em todos os assuntos e em todas as ações do homem. Uma característica dele é "auto-estima e bem-estar, um sentimento de que eu não sou apenas algo, mas também algo importante tanto diante das pessoas quanto diante de Deus" [13].
A paixão do orgulho vai surgindo gradualmente na pessoa, como ensina o monge Gregório de Sinai, que é impossível fazer algo de bom ou ruim sem antes ser animado por pensamentos e aplica-los posteriormente. Em outras palavras, tudo começa com o pensamento e, em seguida, a atividade ocorre. Os pecados e paixões gradualmente se infiltram em nossa alma, toma posse da mente, e depois do coração e, finalmente, da vontade, tornando o homem um escravo da paixão.
O pensamento do "diabo" direcionado para o solo do coração humano cresce gradualmente ao longo do tempo, passando de um pequeno grão para uma árvore pecaminosa inteira. Em outras palavras, a ação da paixão surge na pessoa a partir de uma discussão. São Gregório do Sinai diz que “o pretexto é uma sugestão originária do inimigo: faça uma coisa ou outra, assim como Cristo foi tentado, nosso Deus: que esta pedra seja pão” (Mateus 4: 3).
A paixão do orgulho "a princípio não nos leva descaradamente a rejeitar Deus" [16]. No inicio, uma pessoa não percebe que, embora continue agradecendo a Deus, ela já o rejeita com o coração. Como o fariseu do evangelho, ele louva a Deus, mas ao mesmo tempo se exalta em seus pensamentos. O fim do orgulho é “a rejeição da ajuda de Deus, a esperança ao meu próprio temperamento diabólico” [15]. Quando uma pessoa aceita a idéia de que ela é algo, e não nada, quando a justiça que se faz por si mesma e a auto-estima são fortalecidas no coração humano, o orgulho inevitavelmente leva à perda da fé em Deus.
Remover uma pessoa de Deus é, de acordo com o monge Isaac, o sírio, o meio que o diabo usa para combater até aqueles que "já trabalharam duro no caminho de uma vida de caridade" [17]. Assim, uma pessoa é privada da ajuda graciosa de Deus, tornando-a disponível para a ação inimiga. “Ao mesmo tempo, o diabo quer deslumbrar a mente de uma pessoa que está sendo ajudada, para que se torne desamparada, gerando pensamentos orgulhosos nela, para que ela pense em si mesma como se toda a sua fortaleza dependesse de si mesma...” [18]. Agora, tendo se estabelecido nesse pensamento, de acordo com Isaac, o sírio, a pessoa discute a vitória sobre o inimigo, a impotência do inimigo, aceitando os pensamentos com os quais o inimigo se aproxima, e assim se entrega gradualmente a suas mãos. Tendo a certeza de sua força, uma pessoa não confia mais em Deus e o esquece.
São Gregório Palamas, em um de seus discursos sobre as atrocidades cometidas no mundo, enfatiza que uma importância considerável disso pertence às aspirações orgulhosas das pessoas: “A mente que se afastou de Deus se torna como o demônio... Ele quer ser honrado por todos... Para que todos o bajulem, o aprovem e contribuam com seus planos, e se eles não se realizarem de acordo, fica indomável e cheio de fúria; E é comparado a um assassino - Satanás... E tudo isso por uma razão: a retirada do medo e da memória de Deus da mente (alma), e a aceitação da assistência do inimigo maligno desde o principio (diabo)" [19].
Santo Inácio Brianchaninov também associa a retirada de Deus com o voltar-se a si mesmo: “A presunção e o orgulho, em essência, consistem em rejeitar a Deus e em adorar a si mesmo” [20]. Além disso, ele também aponta o abandono da memória de Deus por uma pessoa que caiu em um estado de orgulho: “A vaidade vem da profunda ignorância de Deus ou do profundo esquecimento de Deus, do esquecimento da eternidade e da glória celestial” [21].
Resumindo a experiência dos Santos Padres, a base das paixões e, em particular, a paixão do orgulho, São Teófanes chama de egoísmo (auto-estima, satisfação, amor próprio) [22]. Ele descreve o seu desenvolvimento da seguinte forma: “Quando uma pessoa deseja e pensa com o coração, ela se afasta de Deus e, naturalmente habita em si mesma - se coloca como um foco ao qual tudo é dirigido, ignorando preceitos divinos, e o bem dos outros” [23].
A paixão do orgulho difere fundamentalmente dos outros, porque o orgulho se torna demasiadamente evidente [25]. Uma pessoa arbitrariamente se encontrando em tal estado, a partir do momento “que levou ao coração a primeira bajulação da serpente: ‘você será como Deus’, então, ela começa a se exaltar acima de todos. O que é uma característica definida pela sociedade” [26]. O orgulho, de acordo com São Teófanes, é "um desejo insaciável por se alto exaltar, ou uma intensa busca por objetos sobre os quais alguém pode se tornar mais elevado que os outros" [27].
Examinando tal estado, São Teófanes citando opiniões importantes, compara a vaidade com a serpente escondida no fundo do coração humano [28]: “O amor próprio é a mãe de males incalculáveis. Quem o detém entra em aliança com todas as outras paixões” [29]. Segundo o consenso dos Santos Padres, como São Teófano, o Recluso, observa-se que o orgulho é um dos primeiros derivados do eu. São Máximo, o Confessor, fala diretamente sobre isso: “Cuidado com a mãe do mal – o egoísmo. Através dele, nascem os três primeiros pensamentos apaixonados - gula, amor ao dinheiro e vaidade, de onde nascem toda a catedral do mal” [30], outros santos pais também ensinam isso [31].
2. Aumento da teimosia e perseverança contra a lei de Deus
No livro do profeta Neemias, é mencionado a teimosia desmedida do povo de israel em ir contra o caminho reto de Deus, sendo fruto do orgulho: “Mas os nossos pais, em seu orgulho, endureceram a cerviz e não observaram os vossos mandamentos” (Neemias 9:16). O texto neste caso indica que estamos falando sobre o pecado do orgulho. A confissão desta transgressão acontece duas vezes: “Vós os conjurastes a voltar à vossa lei, mas eles, em sua arrogância, não escutavam vossas objurgações, transgrediam vossas ordens, que dão a vida ao homem que as observa; nada mais mostraram que ombros rebeldes, cabeças altivas e ouvidos surdos” (Neemias 9: 29). E o salmista em nome do Senhor diz: “Mas o meu povo não ouviu a minha voz, e Israel não me obedeceu; portanto, deixei-os à teimosia de seus corações; deixei-os que andem segundo seus pensamentos (Salmo 80: 12-13).
Um homem caído negligencia cada vez mais a Deus e até nega sua própria existência: em sua arrogância, o ímpio negligencia o Senhor Deus: “Deus não procurará”. Em todos os seus pensamentos: "Deus não existe!". Mas em todos os momentos, seus caminhos são fatais; Age como se os julgamentos de Deus estivessem longe dele; Ele olha para todos os seus inimigos com desdém; Diz em seu coração: “Nada me abalará, jamais terei má sorte”; Também diz: “Deus esqueceu, fechou o rosto, nunca verá” (Salmo 9: 25, 27, 32).
O livro de Jó, também fala da vida dos iníquos, da oposição a Deus que está diretamente associada ao orgulho: "A tribulação e a angústia vêm sobre ele como um rei que vai para o combate, porque levantou a mão contra Deus, e desafiou o Todo-poderoso, correndo contra ele com a cabeça levantada, por detrás da grossura de seus escudos;" (Jó 15: 24-26).
O extremo grau da crescente perseverança contra Deus também pode ser encontrado no profeta Jeremias, que nos diz o que o Senhor falou aos habitantes de Jerusalém: “desvie cada um do seu mau caminho e corrija o vosso proceder e vossas ações. É inútil responderão eles: não espere, viveremos de acordo com nossos pensamentos e faremos cada um de acordo com a obstinação de nosso coração maligno” (Jr 18: 11-12).
O apóstolo Paulo, exortando os tessalonicenses a não fazerem nada ilegal e egoísta aos irmãos, escreveu: “Por conseguinte, desprezar estes preceitos é desprezar não a um homem, mas a Deus, que nos deu o seu Espírito Santo" (1 Tessalonicenses 4: 8). Também nas palavras do Salvador: “Quem vos ouve, a mim ouve; e quem vos rejeita, a mim rejeita; e quem me rejeita, rejeita aquele que me enviou” (Lucas 10:16).
3. A paixão do orgulho contém um caráter insaciável e insatisfatório
As escrituras indicam que a paixão do orgulho em uma pessoa não pode ser saciada e satisfeita: “Um homem arrogante, como um vinho errante, não se acalma, dilata a goela como a voragem da habitação dos mortos, e se mostra tão insaciável como a morte; ele junta para si todas as nações, e captura para si todos os povos” (Habacuc. 2: 5).
Tal insaciabilidade é revelada também na história do profeta Habacuc sobre os caldeus: “Você pode ver que esse povo é cruel e desenfreado, que caminha pelas latitudes da terra para tomar posse de aldeias que não lhe pertencem. Ele é aterrorizante e ameaçador; dele próprio vem seu julgamento e sua autoridade; Depois passam como o vento e prosseguem; homens carregados de culpa, e que consideram a própria força como á Deus.” (Habacuc. 1: 6 - 7, 11). Por sua força, não reconhecem outro julgamento sobre si mesmos, exceto o próprio.
4. Semelhança com o diabo: “Serei como o Altíssimo”
A Sagrada Escritura diz que a exaltação humana é comparada ao diabo, o Senhor Deus através do profeta Ezequiel expõe a loucura do homem: Eis o que diz o Senhor Deus: Teu coração elevou-se; tu disseste: sou um deus assentado sobre um trono divino no coração do mar. Quando não passas de um homem, e não és um deus, tu te julgas em teu coração igual a Deus; Far-te-ão descer à fossa, morrerás como um decapitado no coração do mar.” (Ezequiel 28: 2, 8).
E em outro lugar o Senhor repreende: "Quando o Senhor tiver terminado a sua obra no monte Sião e em Jerusalém, ele punirá a linguagem orgulhosa do rei da Assíria e seus olhares insolentes. Porque ele disse: Foi pela força de minha mão que eu agi, e pela minha destreza, porque sou hábil" (Isaías 10: 12-14).
Em resumo, repetimos que a paixão do orgulho em seu desenvolvimento passa por várias etapas. Tudo começa com um pensamento menor introduzido, que se infiltra na mente humana e excita aspirações arrogantes. Tendo aceito a idéia, uma pessoa começa a construir sua vida com base em marcos falsos. Tendo se estabelecido em pensamentos arrogantes, uma pessoa não precisa mais de Deus, confia apenas em sua mente e, no final, começa a se servir, tornando-se um idólatra.
Monge Kirill (Popov)
Academia Teológica Sretensky. Monge Kirill (Popov). Disponível em <https://sdamp.ru/news/n5125/>
Kirill (Popov): Disponível em <https://pravoslavie.ru/88383.html>